O interior da Estação de São Bento, no Porto, é simplesmente notável e merece ser visitado. O átrio está forrado com vinte mil azulejos pictóricos da autoria de Jorge Colaço, que representam sugestivos quadros históricos e etnográficos.
Primeira pedra e o projeto inicial
A primeira pedra foi lançada em 1900 pelo rei D. Carlos I, no local onde antes se encontrava o antigo convento de S. Bento de Avé Maria. O projeto inicial foi do arquiteto Marques da Silva, denotando no seu traço exterior influências da arquitetura que se praticava em França na época.
O projeto da Estação de São Bento começou em Paris, quando Marques da Silva, com o seu habitual sentido pragmático, escolheu o tema Gare Central para elaborar o seu trabalho de final de curso. Essa escolha era compreensível, não apenas pela ambição da cidade do Porto em construir esse equipamento, mas também se tivermos em conta que Victor Laloux, o seu mestre na École des Beaux-Arts, foi o arquiteto da gare de Tours e, em Paris, da Gare d’Orsay, obra maior da cultura beaux-arts.
A chegada da linha de caminho-de-ferro ao centro da cidade do Porto tinha sido precedida de várias hesitações. Para que ela fosse possível, para além da abertura do túnel de ligação à encosta dos Guindais, foi necessário demolir o Convento de Ave-Maria que ocupava o lugar das terraplanagens imprescindíveis para as plataformas de embarque. As infraestruturas ficaram concluídas em Novembro de 1896 e nessa data chegou o primeiro comboio a São Bento, ainda sem gare. Em Dezembro desse mesmo ano, Marques da Silva defendeu o seu projeto académico em Paris e obteve o título de Arquiteto Diplomado pelo Governo Francês.
Regressado ao Porto, com um novo estatuto, Marques da Silva expôs o seu projeto em Maio de 1897, nos Paços do Concelho, obtendo um bom acolhimento público da sua proposta formal. Essa publicidade permitiu-lhe dirigir-se aos responsáveis pelas Obras Públicas sugerindo que o encarregassem do projeto para a gare que se teria de construir em São Bento.
Para verificar a viabilidade da encomenda, foi pedido a Marques da Silva que apresentasse um projeto detalhado. Isso permitiu-lhe reformular os desenhos académicos e adaptá-los às circunstâncias construtivas e às particularidades específicas de São Bento.
Adjudicação e variações do projeto
Após algumas hesitações políticas, em Setembro de 1899 foi-lhe finalmente adjudicado o projeto, sendo remunerado pelo trabalho a fazer e também pelas propostas que já tinha apresentado.
Durante alguns anos Marques da Silva desenvolveu várias versões de um primeiro projeto, reagindo aos sucessivos pareceres das várias comissões a que se submetiam os desenhos.
Esse primeiro projeto, nas suas várias versões, caracteriza-se pela presença da grande nave metálica na composição da fachada principal.
As principais questões em debate sobre os desenhos consistiam na disposição do serviço dos Correios e Telégrafos, anexo aos serviços de passageiros e bagagens, e em dúvidas sobre as metodologias de execução e conceção da estrutura metálica.
Desde os desenhos iniciais era explícita a adoção de uma forma em U, com entrada central através da frente mais extensa e orientada para a Praça Almeida Garrett, de topo relativamente à orientação das linhas dos comboios.
O início e o fim das obras da Estação de São Bento
Em 1903 começaram as obras de construção do edifício, seguindo um novo projeto que Marques da Silva entregou em Março desse ano, e ainda que tenha sido sujeito a alterações e ajustes posteriores, foi esse projeto que caracterizou os elementos fundamentais da Estação de São Bento tal como a conhecemos hoje, nomeadamente a opção de construir um grande vestíbulo independente da cobertura metálica das plataformas de embarque.
Com vários atropelos às suas competências como arquiteto, tendo inclusive chegado a ser dispensado da direção das obras em 1909, a obra foi seguindo o seu curso. Em 1911 Marques da Silva projetou a Estação de Correios e Telégrafos que resolvia a relação do edifício com a rua do Loureiro e que nunca chegou a ser construída.
Essa encomenda não significou o acréscimo da sua autoridade sobre a execução do projeto de que foi autor, pela qual continuou a batalhar até 1916. Nesse ano a obra da Estação ficou finalmente concluída e o hall da estação, com azulejos de Jorge Colaço, foi inaugurado nos festejos do sexto aniversário da República.
Da origem académica à expressão final da obra construída, a Estação de São Bento é um exemplo paradigmático da arquitetura beaux-arts.
A composição da planta, ditada por uma lógica funcional objetiva, rege-se por um sistema de eixos ortogonais sobre o qual assentam volumes com uma unidade construtiva específica.
À conjunção dessa massa volumétrica articulada o desenho confere um carácter coerente baseado num princípio decorativo específico.
Neste caso, a materialidade do granito constitui-se como uma massa monumental onde as janelas e portarias, mais do que transparências, funcionam como perfurações num edifício compacto.
Terá sido esse, eventualmente, o carácter mais original da Estação que, como monumento formador da identidade urbana, introduziu nas práticas construtivas da cidade um gosto inédito.
A lenda da última freira
Pouca gente sabe a lenda do fantasma da estação de São Bento. Um fantasma afável e discreto, mas teimoso em vida, e que, segundo a lenda, ainda percorre os corredores da estação de São Bento nas horas menos movimentadas. Vamos recuar um pouco no tempo…
A Estação de São Bento foi construída no local onde existiu, no passado, o convento beneditino de São Bento de Avé Maria. Este convento era bastante seletivo e apenas aceitava mulheres de determinada condição social, sobretudo nobres.
Em 1834 saiu o decreto de extinção das ordens religiosas em Portugal, da autoria de Joaquim António de Aguiar, mais conhecido por “mata frades”. Esse famoso decreto decretava a extinção imediata das ordens masculinas (e o confisco das suas propriedades) e a extinção dos conventos por morte da última freira que aí residisse. Mas a última abadessa do Convento de Avé Maria “apenas” morreu em 1892 (mais de 58 anos após a extinção das ordens religiosas), o que foi uma longa espera para a construção da estação de São Bento! Iniciou-se de imediato a demolição do convento. No entanto, ao longo dos anos, subsistiram histórias e relatos de que, em certos momentos, ainda é possível ouvir as rezas da última abadessa a ecoar pelos corredores da estação!
Como Chegar
Alguns Contactos
Morada | Estação de São Bento, Praça de Almeida Garrett, Porto, Portugal |
Website | http://www.cp.pt/pt/Estacoes/Porto-Sao-Bento |